|
Educação ambiental: onde falhamos?
Basta observar o comportamento de banhistas em uma praia
qualquer para perceber quão longe estamos de ter consciência sobre o
respeito aos outros e ao meio que nos abriga. Nem mesmo locais 'classe
A' escapam das condutas inadequadas.
Por: Vera Rita da Costa
Publicado em 26/11/2014
|
Atualizado em 26/11/2014
Até na praia do Tombo, no Guarujá (SP), uma das poucas do
país que obtiveram a certificação de qualidade do Programa Bandeira
Azul, impera a falta de cuidado com o lixo. (foto: Vera Rita da Costa)
Já contamos com mais de 30 anos de trabalhos dedicados à educação
ambiental em nosso país, se não direta e formalmente, por meio da
escola, pelo menos de modo informal e por outros canais. Mas, basta
passar um domingo de sol na praia ou em um parque, para nos
questionarmos sobre onde se encontra, na prática, a nossa educação
ambiental.
Fiz isso há algumas semanas e fiquei chocada. As cenas presenciadas
no final do dia na praia do Tombo, no Guarujá (SP), eram de fazer cair o
queixo de qualquer observador atento. Havia lixo espalhado por todos os
lados, embora existissem no local lixeiras e garis. Estes últimos,
aliás, tentando em vão dar conta daquilo que as pessoas, totalmente
indiferentes e displicentes aos apelos distribuídos pelo local, lançavam
em seu entorno.
As cenas que vi não diferiam muito do retrato traçado na campanha
'Povo desenvolvido, povo limpo', uma das primeiras ações de educação
ambiental promovidas no Brasil, ainda na década de 1970. Recordavam em
muito até um de seus episódios, em que Sujismundo, o personagem central
da campanha, e sua família iam, justamente, à praia.
Assista ao episódio de Sujismundo:
https://www.youtube.com/watch?v=1DRyjH3ospg
A praia do Tombo a que me refiro é considerada 'classe A', uma das poucas de nosso país que obtiveram a certificação do Programa Bandeira Azul, uma iniciativa da Foundation for Environmental Education
(Fundação para Educação Ambiental), organização não governamental
criada na Inglaterra e com sede atual na Dinamarca. A classificação A
foi obtida em 2011 e recentemente renovada para o próximo ano. São,
portanto, cinco anos consecutivos de certificação obtidos pela
Prefeitura do município do Guarujá para essa bela praia, em um trabalho
ambiental que merece ser aplaudido, mas que também vale reflexão.
O próprio fato de termos no Brasil tão poucas praias certificadas por
esse programa já serve de alerta. Ao lado da praia do Tombo só se
encontram na lista de certificações de 2014
do Programa Bandeira Azul Brasil, a Prainha, no Rio de Janeiro, e duas
marinas, uma em Angra dos Reis (RJ) e outra também no Guarujá (SP). Em
outros países, no entanto, esse número pode chegar a centenas. Portugal, por exemplo, teve para o mesmo período (2014) 298 praias e 17 marinas certificadas.
Bandeira azul
Que inveja boa! Seria ótimo se nos igualássemos a Portugal nesse
quesito. Afinal, obter a certificação do Programa Bandeira Azul não é
simples. É preciso cumprir uma série de critérios
que envolvem, por exemplo, a garantia da qualidade da água, o
monitoramento do ambiente costeiro, a manutenção da segurança dos
banhistas e demais usuários do local, o apoio a portadores de
necessidades especiais, a disponibilidade de água potável e instalações
sanitárias em número e condições adequadas, além de fiscalização
permanente de condutas e regras no local.
Nas praias certificadas pelo Programa Bandeira
Azul, deve haver o mínimo desejável em qualquer praia urbana e pública:
monitores ambientais, guarda-vidas, policiais, fiscais, entre outros
quesitos básicos e essenciais
Em outras palavras, nas praias certificadas pelo Programa Bandeira
Azul, deve haver o mínimo desejável em qualquer praia urbana e pública:
monitores ambientais, guarda-vidas, policiais, fiscais, equipamentos e
pessoal treinado para apoio a pessoas com necessidades especiais, além
de bebedouros, chuveiros e banheiros que funcionem e sejam limpos, entre
outros quesitos básicos e essenciais.
Nas praias 'bandeira azul', deve haver fiscalização permanente, não
sendo permitido levar cães na areia, praticar esportes coletivos em meio
às outras pessoas ou ouvir som alto - condutas que possam prejudicar ou
incomodar outras pessoas.
Como pude observar no domingo que passei na praia do Tombo, no
entanto, nem tudo é perfeito. Os recursos podem estar disponíveis, mas
falta para a maioria dos frequentadores a tal consciência ambiental.
Triste realidade
Havia lixeiras, mas nem todas as pessoas levavam seu lixo até elas.
Havia chuveiros, mas nem todos os fechavam depois de usados, e muitos os
usavam sem qualquer parcimônia (apesar da escassez de água), para lavar
pranchas de surf ou cadeiras de praia, por exemplo. E isso porque estou
me restringindo a dar apenas dois exemplos, aqueles que considero mais
emblemáticos, dois dos temas mais batidos em termos de educação
ambiental no país: a necessidade de dispor corretamente o próprio lixo e
de se economizar e fazer bom uso da água.
Na escola, sobretudo na educação infantil e no ensino fundamental, há uma verdadeira overdose de conteúdos abordando as questões da água e do lixo
Afinal, quem ainda não ouviu falar sobre isso? Na escola, sobretudo
na educação infantil e no ensino fundamental, há uma verdadeira overdose
de conteúdos abordando as questões da água e do lixo. Na TV, assim como
na mídia em geral, esses também são os temas mais lembrados quando se
trata de educação ambiental.
Não se trata, portanto, de falta de informação. Fala-se de cuidar do
ambiente desde os idos tempos de Sujismundo. Já era hora, portanto, de
termos uma geração (ou mais) de pessoas que realmente praticassem esses
preceitos básicos da educação ambiental. Mas não é o que se constata em
muitos lugares públicos, como a praia.
Apenas engatinhando
Nesses locais, o que se percebe é muito diferente do desejável.
Verifica-se que há uma distância significativa e muito perceptível entre
possuir informações e agir realmente de acordo com elas ou, entre
saber, em teoria, e colocar em uso, na prática. Em outros termos,
torna-se patente também que, em relação às atitudes desejadas ou à nossa
real educação ambiental, estamos apenas engatinhando.
Procuro mas não encontro na literatura acadêmica explicações para
esse fenômeno. Por sinal, acho admirável conseguir localizar tantos
artigos acadêmicos enaltecendo a educação ambiental e discutindo seus
avanços, mas nenhum que a critique ou discuta a lentidão e a baixa
eficácia em sua efetivação real ou na obtenção factual de mudança de
atitudes.
Será que estou delirando? Estou sendo exageradamente crítica e pessimista?

- Nas praias brasileiras
que contam com chuveiros, é comum ver o desperdício, como torneiras
abertas e uso de água potável para lavar pranchas de surf ou cadeiras.
(foto: Flickr/ Raul - CC BY 2.0)
Lembro-me de uma fala da pesquisadora Elsa Meinardi, da Universidade de Buenos Aires, Argentina, no 3° Encontro Regional de Ensino de Biologia,
realizado em setembro deste ano em São Paulo, que se aproxima do tema
abordado aqui. Na oportunidade, referindo-se à educação sexual presente
nos currículos oficiais e oferecida nas escolas aos nossos jovens, tema
de alguns de seus estudos e principais pesquisas, Meinardi chamou a
atenção dos professores de ciências e biologia para a distância que a
separa da realidade vivida pelos jovens, quando imersos em sua cultura
local.
Ela destacou, também, o desconhecimento que muitos professores têm
dessa 'outra realidade' ou dessas outras 'forças culturais' que
alimentam as escolhas e decisões dos jovens no campo da sexualidade e
alertou para a ilusão de se pensar que apenas com informação e
prescrições comportamentais oferecidas na escola se conseguirá a mudança
de comportamentos e a prevenção desejável.
Visão e ação em contexto
Para que a educação sexual seja realmente eficaz, considera Meinardi,
há muito mais trabalho a ser feito. Trabalho que, segundo a
pesquisadora, depende de visão e ação em contexto. Ou seja, que envolva
múltiplos setores e esferas culturais e em uma perspectiva que leve em
conta, respeite e dialogue também com as diferentes visões e
conhecimentos que se apresentam na sociedade. Nem sempre nos damos conta
disso - alertou a pesquisadora -, mas, principalmente nas grandes
cidades, estamos vivendo em sociedades cada vez mais multiculturais, nas
quais diferentes visões de mundo, valores e crenças, entre outras
'forças culturais', também atuam para educar os indivíduos.
Com sua fala sobre educação sexual nas escolas, Meinardi me fez
refletir sobre o quanto é pretensiosa a instituição escolar em achar que
sozinha poderá dar conta de educar sexualmente os jovens, desprezando a
poderosa influência que outras instâncias e instituições culturais,
como família e o grupo de convívio próximo, têm sobre o comportamento
das pessoas. E agora, ao buscar relacionar essas ideias com a
experiência de um fim de semana na praia, me faz pensar que o mesmo pode
se aplicar à educação ambiental.
Será que não estamos superestimando o papel da
escola e das informações gerais, depositando nelas uma enorme
expectativa de mudança de comportamento?
Será que não estamos superestimando o papel da escola e das
informações gerais, depositando nelas uma enorme expectativa de mudança
de comportamento, e subestimando o papel que outras instâncias e forças
culturais têm sobre a educação ambiental?
Se de fato isso estiver acontecendo, nossas estratégias deveriam
mudar. Deveríamos, nesse caso, ampliar em muito o leque das ações em
educação ambiental, de forma a fazer com que as condutas desejadas se
tornassem mais entranhadas em nossa cultura, via outros caminhos e
métodos que não apenas a escola e algumas de suas prescrições
tradicionais.
Sem abandonar o que tem sido feito de bom na escola, talvez seja
necessário ampliar espaços e metodologias, dando menos peso à teoria
(informação e prescrições do que deve ser feito) e valorizando mais a
prática (atitudes ou aquilo que de fato se faz). Talvez, assim, a
educação ambiental chegue realmente às praias.
Vera Rita da Costa Ciência Hoje/ SP
http://cienciahoje.uol.com.br/alo-professor/intervalo/2014/11/educacao-ambiental-onde-falhamos
|