quarta-feira, 23 de julho de 2014

PARA REFLETIR!

Um olhar sobre o machismo e as consequências em saúde para militantes negras

por  •  em 06 Jan, 2014 •  1
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Sabemos que a imagem de mulher negra forte é uma máscara que contribui para nos levar á loucura
Opal Palmer Adisa
Que o movimento de mulheres negras se constitui no mais exitoso e atuante do planeta Sueli Carneiro nos ensina, e este ano de 2013 foi marcado pela conquista de reivindicações históricas, a citar a Emenda Constitucional nº 72, a qual consagrou dignidade e direitos no espaço doméstico às milhares de Laudelinas de Campos e Creuzas Oliveiras.
Assisti à habilidade das organizações das mulheres negras para garantir as condições de governança e governabilidade da Secretaria Especial de Promoção de Políticas para a Igualdade Racial. Vi Ana Claudia Pacheco lançar seu livro Mulher Negra: afetividade e solidão e o saber de Valdeci Nascimento alcançar a cátedra da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia. “Testemunhei” o Bloco Afro Ilê Aiyê, uma organização antirracista, ser condenado judicialmente a reconhecer a existência do machismo em seu interior e vir a público retratar-se pelas agressões ocasionadas à jovem mulher negra Deise Sacramento.
Em direção semelhante, acirramos o enfrentamento contra o genocídio da juventude negra, alçando à institucionalidade ações para manter a juventude viva; o combate contra a leitura midiática de coisificação da nossa sexualidade e de que somos preguiçosas intelectuais; o enfrentamento ao epistemicídio e à nossa amnésia literária a respeito de Carolina de Jesus. Casamos identidades lésbicas negras com o combate às violações perpetradas pelo Sr. Marco Feliciano. Sem esterilizações, mantivemos oposição ao discurso religioso do Estado referente à negação dos direitos sexuais reprodutivos e da recusa à garantia legal do aborto seguro e digno.
No Pronto atendimento de Urgência e Emergência vi muitas mulheres negras, seguradas pela ancestralidade que as carrega, notificarem seus algozes, romperem com o silêncio das violências, revelando aí o aumento no índice das denúncias e não o acréscimo das agressões por elas sofridas.
Se por um lado denunciamos as violências físicas, deixamos de fazê-las quando tais violações afetam o psíquico, o afetivo, o sonho individual e os projetos coletivos. O que observei em 2013 é que o movimento legitimado ao enfrentamento de tais opressões contra as mulheres negras é o mesmo que precisa combatê-las no coração de suas organizações. É a relação de amor incondicional com nossos parceiros que precisamos romper.
Da mesma forma que encorajamos as mulheres negras, sobretudo as oprimidas e subalternizadas nas classes, a conhecerem os instrumentos protetivos, a denunciarem, a romperem com o ciclo de dependência afetiva, igualmente no cerne do movimento negro, do nordeste ao sul, precisamos criar condições emocionais para a ruptura desse nó afetivo com homens que anulam politicamente, destituem falas, ocasionam prejuízos emocionais à saúde das mulheres negras, e reiteram a asfixia política como condicionante ao extermínio do povo negro.
Em sintonia com bell hooks, considero que a prática das mulheres negras de se reprimir os sentimentos como forma de sobrevivência tornou-se a principal estratégia política de convivência pretensamente harmoniosa nas organizações negras. Lembremos “que precisamos aprender a responder as nossas necessidades emocionais, e isso pode significar um novo aprendizado, pois fomos condicionadas a achar que essas necessidades não são importantes”, (hooks).
Não se diferencia muito a mulher que, após apanhar, prepara comida gostosa para seu companheiro por achar-se culpada pelas agressões sofridas e aquela militante negra que ao ser assediada intelectualmente e politicamente por ativistas, atenua a iniquidade ao atribuir a conduta violenta dos mesmos ao ancestral impetuoso e agressivo que os carrega, ou pior, a uma contundência raivosa espontânea para não dizer sincera. Assim como Luiza Bairros já em 2008, em a Mulher negra e feminismo, eu acredito que nós mulheres negras “precisamos nos unir em separado”.
Com efeito, se politicamente entendemos que a briga de marido e mulher merece repercussão pública, uma vez que o pessoal é político, compreendamos igualmente que nossa defesa a favor de qualquer mulher negra militante independe de partido ou organização mista, pois numa acepção mulherista vivemos enquanto comunidade de mulheres negras, e não é ‘secretaria ou institucionalidade a nos instruir a andarmos juntas’.
A todo o tempo e todos os dias denunciamos a violência letal contra os homens negros. Em troca, o que recebemos em relação ao nosso encarceramento – não raro em decorrência de uma relação autofágica provocada por filhos, maridos e companheiros – ao nosso adoecimento mental, à nossa esterilização compulsória, nosso solitário aborto clandestino, à nossa angústia e a nossa lealdade a eles? É o silêncio!
Muitas mulheres ainda serão manobradas em contextos sexo-afetivos e usurpados seus capitais intelectual e político para conferir o status de organização nacional a entidade promovida e dirigida por e para nossos homens.
Muitas mulheres negras mais, já leiloadas em acordos políticos, envidarão esforços para manterem uma relação cínica com seus homens, cuja confiança se deposita unicamente nos cargos e não na relação com as mulheres.
Tantas outras serão dissuadidas a não denunciarem seus companheiros, a manterem a relação a flores e copo d’água para acalmar a legitimidade e validade de suas emoções. Várias estarão desautorizadas a abordar determinadas temáticas porque não foram referenciados os conteúdos epistêmicos, antes, por dirigentes negros.

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