Coluna
Féministas Por Catia Eli Gemelli
Nossa realidade é construída a partir de narrativas
e é através delas que compreendemos o mundo. Tratam-se de dispositivos
discursivos utilizados socialmente de acordo com as pretensões dos sujeitos, ou
seja, são construções que não costumam ser ingênuas.
Quem se comunica possui uma intenção ao
fazê-lo, mesmo que de forma subjetiva. As narrativas, portanto, são formas de
exercício de poder e de hegemonia e se constroem com o tempo. Não é em um único
e isolado evento que se compreende uma narrativa no sentido de contar uma
história, mas a partir de um conjunto de ações ou episódios. É preciso observar
sua sequência e encadeamento para compreender quais são as suas
intencionalidades.
É sem precedentes o uso das redes
sociais para comunicações (inclusive oficiais) do governo, como o faz o atual
presidente Jair Bolsonaro. E essa comunicação que se estabelece a partir das
redes possui a intencionalidade de contar uma versão própria dos fatos que
estão ocorrendo no Brasil na atualidade. Ou seja, Jair Bolsonaro e sua equipe
estão construindo sua própria narrativa – “livres da ideologia da imprensa” –
em comunicação “direta” com o eleitorado.
Leia também:
Desde setembro de 2017 – quando ainda
deputado federal – o atual presidente da república possui um canal no youtube,
chamado “Bolsonaro TV”. É descrito como “Canal oficial de transmissão das
últimas notícias e informações sobre o Presidente da República Jair Messias
Bolsonaro”. O canal possui mais de 1 milhão e 400 mil inscritos e, até o
mês de julho de 2019, os vídeos postados já alcançavam mais de 90 milhões de
visualizações.
Todos os vídeos postados possuem uma estrutura
muito parecida: são curtos, a maioria com até três minutos de duração; são
compostos por montagens de recortes de falas de Bolsonaro, de seus aliados, de
jornalistas e de seus adversários políticos; utilizam-se de muitos memes. Outra
questão que chama atenção são os títulos desses vídeos que fazem uso de
linguagem simples e destacam palavras e frases de tom sensacionalista, tais
como: “Bolsonaro ignora jornalistas que tentam abordá-lo com perguntas
bestas na entrada do congresso”; “Porta-voz MITA contra perguntas
IDIOTAS dos jornalistas sobre manifestação pró-Bolsonaro dia 26”; “ADEUS
CORRUPÇÃO! Bolsonaro assina NOVO DECRETO que fiscaliza TODO DINHEIRO PÚBLICO”;
“Bolsonaro visita Yasmin após imprensa ESQUERDISTA CALUNIÁ-LO por ser
‘IGNORADO’ pela menina”. “Paulo Guedes dá um show de economia liberal e
atrai interesse dos grandes líderes do Mercosul”.
No twitter, o presidente possui
uma página pessoal desde o ano de 2010 e possui 4,56 milhões de seguidores.
Nesta conta Bolsonaro descreve-se como “Capitão do Exército Brasileiro,
eleito 38º Presidente da República Federativa do Brasil” e realiza
postagens diárias, muitas delas com comunicados oficiais importantes, tais como
nomeação e exoneração de ministros. Afinal, por que a escolha de tornar
públicas informações tão importantes através do twitter?
Bolsonaro tem a clara intenção de
mostrar-se um presidente acessível ao seu eleitorado, alguém simples e sem
formalidade, como no caso dessa mensagem de 27 de julho: “Após ler em meu
Face o apelo do leitor Vennicios M. Teles pedindo para baixar impostos sobre
jogos eletrônicos, resolvi consultar nossa equipe econômica. Atualmente o IPI
varia entre 20 e 50%. Ultimamos estudos para baixá-los. O Brasil é o segundo
mercado no mundo nesse setor”. Desta forma, constrói a ideia de ser uma
pessoa próxima do povo e de que qualquer eleitor/a pode ter suas necessidades
ouvidas e atendidas pelo presidente da república.
Leia também:
Além disso, tanto ele quanto sua equipe
sabem que é nas redes sociais que se encontra a sua maior rede de apoio e,
portanto, é o local em que suas decisões possuirão maior aceitação. Mas mais do
que isso, é a forma que Jair Bolsonaro encontrou de neutralizar e desacreditar
o trabalho jornalístico.
Os vídeos no youtube são montados com
recortes de fala e memes de forma que Bolsonaro pareça estar “vencendo uma
batalha”. Ao mesmo tempo em que esses vídeos possuem títulos de deslegitimação
e até ridicularização do trabalho de jornalistas, no dia 20 de julho de 2019 o
presidente fez a seguinte postagem na sua conta do twitter: “Não adianta a
imprensa me pintar como seu inimigo. Nenhum presidente recebeu tanto jornalista
no Planalto quanto eu, mesmo que só tenham usado dessa boa vontade para
distorcer minhas palavras, mudar e agir de má fé ao invés de reproduzir a
realidade dos fatos”.
Nesta mensagem Bolsonaro acusa a
imprensa de fazer algo que ele e sua equipe fazem a todo momento nos recortes e
montagens dos vídeos postados no youtube, como mostram os próprios
títulos: pintar a imprensa como inimiga e produzir distorções ao invés de
reproduzir a realidade dos fatos. O esforço de mostrar a imprensa como
inimiga, ideológica e “esquerdista” está também nas postagens do twitter, como
nesta também do dia 20 de julho: “Sempre defendi liberdade de imprensa, mesmo
consciente do papel político-ideológico atual de sua maior parte, contrário aos
interesses dos brasileiros, que contamina a informação e gera desinformação. No
fundo, morrem de saudades do PT.”
Outra intencionalidade clara na
narrativa construída por Bolsonaro pelas redes sociais é a de simplificar
discussões complexas utilizando-se sempre do mesmo discurso que foi a base da
sua campanha de governo “combate à doutrinação ideológica e à corrupção”. Não
importa qual seja o tema, em suas declarações nas redes sociais ele encontra
uma forma de transformar suas decisões em empreitadas na “guerra contra a
ideologia de esquerda e à roubalheira dos governos anteriores”.
Esse é o caso de tweet postado no dia
22 de julho sobre o decreto que extinguiu vagas de especialistas no Conselho
Nacional de Políticas sobre Drogas (Conad), diminuindo a presença da sociedade
nesses órgãos: “Há décadas a esquerda se infiltrou em nossas instituições e
passou a promover sua ideologia travestida de posicionamentos técnicos. O
decreto que assinei hoje extingue vagas para órgãos aparelhados no Conselho
Nacional sobre Drogas e acaba com o viés ideológico nas discussões”.
“Vou falar do PT sempre. Não adianta chorar”
Sempre que sente a necessidade, seja
para encerrar um debate do qual não quer participar ou desviar de questões
relativas às suas decisões, cita e responsabiliza os governos anteriores: “Vou
falar do PT sempre. Não adianta chorar. Não é porque perderam a eleição que
seus crimes devem ser ignorados. Os efeitos devastadores do desgoverno da
quadrilha ainda podem ser sentidos e é papel de todo aquele que que ama o
Brasil lembrar quem foram os culpados.” (Tweet de 20/07/2019).
Por fim, Bolsonaro constrói uma
narrativa de “defesa” ao “ataque” da mídia e de “inimigos do povo”, como neste
twitter do dia 8 de julho: “A FUNAI, como regra, “cuidava” de tudo, menos do
índio. Cada ninho de ratos que toco fogo, mais inimigos coleciono. Acredito no
Brasil porque confio em você, cidadão de bem.” Trata-se da construção de
uma figura heroica que se põe em risco pela pátria e pelos “defesa dos cidadãos
de bem”. A imagem abaixo postada no twitter de Bolsonaro no dia 19 de julho de
2019 ilustra claramente essa construção:
Catia Eli Gemelli é doutoranda em Administração na UFRGS e professora de Administração no
IFRS/Campus Osório.
Tags
Terça-feira, 30 de julho de 2019
CONTATO
Justificando Conteúdo Cultural LTDA-EPP
redacao@justificando.com
Nenhum comentário:
Postar um comentário