A Escola Inclusiva e a Diversidade
Cirlandia Rouseline Almeida Costa*
Embora
não seja a Escola o único lugar onde acontece a educação, na sociedade
atual a educação Escolar crescentemente se faz indispensável para a
cidadania autônoma e competente. Constitui-se a Escola em espaço
especialmente organizado para que se dê a construção de valores,
conhecimentos e habilidades necessárias ao pleno, consciente e
responsável exercício da democracia.
Estrutura-se
a Escola através dos sujeitos que dela fazem parte e das relações que
estabelecem entre si e com o meio. Nestas relações aparece a
singularidade de cada sujeito, a sua cultura, o seu ponto de vista, a
sua leitura de mundo, que comunicados aos outros, contribuem para a
construção de conhecimentos reelaborados.
Na
qualidade de espaço instituído pela esfera política e mediatizado pelo
Estado, pela família e a sociedade, a Escola por integrar um amplo e
complexo sistema social que não é neutro, pois se compõem de grupos
diversos e por vezes divergentes, sofre intervenção dessas esferas, não
sendo também ela uma instituição neutra, isolada, uma vez que representa
os interesses da sociedade como construção histórica.
A
Escola é a instituição responsável pela passagem da vida particular e
familiar para o domínio público, tendo assim função social reguladora e
formativa para os alunos.
A
Escola é a instituição por intermédio da qual a criança se introduz no
mundo público, e daí o papel do Estado em relação a todas elas. À
família cabe o dever de garantir à criança o que é típico do domínio
privado do lar, e ao Estado cabe garantir o direito indispensável da
criança à educação Escolar, pois é ela que faz a transição entre essas
duas vidas. (MANTOAN).
Acima
de tudo, a Escola tem a tarefa de ensinar os alunos a compartilhar o
saber, os sentidos diferentes das coisas, as emoções, a discutir, a
trocar pontos de vista. É na Escola que desenvolvemos o espírito
crítico, a observação e o reconhecimento do outro em todas as suas
dimensões.
Entretanto,
ao analisar a realidade das nossas Escolas, percebo que a mesmas estão
preparadas para receber um aluno idealizado. Tem um projeto educacional
elitista, meritocrático e homogeneizado, o que faz com que ela venha
produzindo situações de exclusão que, injustamente, prejudicam a
trajetória educacional de muitos estudantes, pois certamente um aluno
diferenciado, ao ingressar nessa estrutura, será excluído, parecendo
esse movimento ser próprio à estrutura e ao funcionamento da Escola.
Esta privilegia determinados conhecimentos e comportamentos, negando a
diversidade, e esforçando-se para codificar a produção social a partir
de certos valores. Parece que a Escola e sua comunidade não estão
preparadas para acolher um aluno mais diferenciado, podendo acontecer
de, no ensino regular, a inclusão, por força de lei, pode ser mais
desastrosa do que se possa prever.
Os
sistemas Escolares também montados a partir de um pensamento que
recorta a realidade, que permite dividir os alunos em normais e
deficientes, as modalidades de ensino em regular e especial, os
professores em especialistas nesta e naquela manifestação das
diferenças. A lógica dessa organização é marcada por uma
visão determinista e formalista, própria do pensamento científico
moderno, que ignora o subjetivo, o afetivo, o criador. Sem os quais não
conseguimos romper com o velho modelo Escolar para produzir a
reviravolta que a inclusão impõe.
Pode-se
dizer que as causas fundamentais que têm promovido o aparecimento da
inclusão são de dois tipos: por um lado, o reconhecimento da educação
como um direito, e, por outro, a consideração da diversidade como um
valor educativo essencial para a transformação das Escolas.
É
importante considerar e compreender que a sociedade atual é a sociedade
do estereótipo, das crenças prévias. A partir de imagens
estereotipadas, cultiva-se a crença de que existe um saber universal,
que se coloca como um produto acabado a ser seguido por todos,
produzindo preconceitos do que se acredita que os sujeitos devam ser.
Porém, o saber ali apresentado é um produto externo aos sujeitos,
tornando-se inconsistente, uma vez que não fala de sua realidade. Acaba
emergindo um saber que se transforma em preconceitos, gerando,
gradativamente, discriminação e tratamento desigual dos sujeitos.
Vale
ressaltar que o que de fato vem sendo excluído da sociedade é
justamente a diferença, a singularidade, as exceções. O que se espera de
todos é a semelhança, o grupo, a padronização. A diversidade cultural
constitui um problema para a convivência humana, pois, por meio dos
“ideais” sociais, que são difundidos e assimilados por todos, são
determinados os modelos, de acordo com os quais o sujeito deve agir.
Temos consciência de que a sociedade possui uma visão de homem
padronizada e classifica as pessoas de acordo com essa visão. Elegemos
um padrão de normalidade e nos esquecemos de que a sociedade se compõe
de homens diversos, que ela se constitui na diversidade, assumindo de um
outro modo as diferenças. Este deve ser um trabalho necessário, o de
mudar a imagem que a sociedade tem das pessoas especiais e rever esta
exigência de que todos devem ser iguais e seguirem padrões e normas para
demonstrarem essa igualdade.
Muito
freqüentemente, as diferenças entre alunos são vistas como um problema.
Muitas pessoas acreditam que as diferenças dos alunos em relação a
ajustes educacionais são dificuldades que necessitam ser trabalhadas,
melhoradas ou os alunos precisam estar “prontos” (homogeneizados) para
se encaixarem em uma situação de aprendizagem. Essa visão pode ser um
grande inconveniente, prejudicando, assim, o processo de aprendizagem
nas salas de aula que tentam promover valores e oportunidades de
aprendizagem inclusivas para todos os alunos.
Para
que a inclusão seja bem sucedida, as diferenças dos alunos devem ser
reconhecidas como um recurso positivo. As diferenças entre os alunos
devem ser reconhecidas e capitalizadas para fornecer oportunidades de
aprendizagem para todos os alunos da classe.
A
educação inclusiva é um meio privilegiado para alcançar a inclusão
social, algo que não deve ser alheio aos governos e estes devem dedicar
os recursos econômicos necessários para estabelecê-la. Mais ainda, a
inclusão não se refere somente ao terreno educativo, mas o verdadeiro
significado de ser incluído. Está implícita na inclusão social, a
participação no mercado de trabalho competitivo, sendo este o fim último
da inclusão.
Sendo
assim, a educação inclusiva não é tarefa somente da Escola, ela deve
caminhar junto com a construção de uma sociedade inclusiva, pois a
instituição Escolar precisa estar relacionada ao sistema social,
político e econômico vigente na sociedade. A educação inclusiva implica
na implementação de políticas públicas, na compreensão da inclusão como
processo que não se restringe à relação professor-aluno, mas que seja
concebido como um princípio de educação para todos e valorização das
diferenças, que envolve toda a comunidade Escolar.
A
Declaração de Salamanca, elaborada em 1994, na Conferência Mundial
sobre Necessidades Educativas Especiais na Espanha, enfatiza a
necessidade de que a educação seja assumida com a mais alta prioridade
política e financeira, incluindo mudanças nas leis educacionais,
incorporação de mecanismos democráticos na gestão das Escolas,
implementação dessa temática em programas de formação inicial e em
serviço, e existência de mecanismos favorecedores do processo de
inclusão.
“Sem
dúvida, a razão mais importante para o ensino inclusivo é o valor
social da igualdade. Ensinamos os alunos através do exemplo de que,
apesar das diferenças, todos nós temos direitos iguais. Em contraste com
as experiências passadas de segregação, a inclusão reforça a prática da
idéia de que as diferenças são aceitas e respeitadas. Devido ao fato de
as nossas sociedades estarem em uma fase crítica de evolução, do âmbito
industrial para o informacional e do âmbito nacional para o
internacional, é importante evitarmos os erros do passado. Precisamos de
Escolas que promovam aceitação social ampla, paz e cooperação.”
(STAINBACK, 1999, p. 26 e 27)
Deste
modo, é importante salientar que, a principal razão para a inclusão não
é que os alunos previamente excluídos estarão necessariamente se
tornando proficientes em socialização, história ou matemática, embora
seja óbvio que nas turmas inclusivas há mais oportunidades para todos
crescerem e aprenderem. Ao contrário, a inclusão de todos os alunos
ensina ao aluno portador de deficiências e a seus colegas que todas as
pessoas são membros igualmente valorizados da sociedade, e que vale a
pena fazer tudo o que for possível para poder incluir todos na nossa
sociedade.
A
inclusão é percebida como um processo de ampliação da circulação social
que produz uma aproximação dos seus diversos protagonistas,
convocando-os à construção cotidiana de uma sociedade que ofereça
oportunidades variadas a todos os seus cidadãos e possibilidades
criativas a todas as suas diferenças.
Segundo
Diniz e Vasconcelos (2004), “o princípio fundamental da Educação
Inclusiva consiste em que todas as crianças devem aprender juntas, onde
isso for possível, não importando quais dificuldades ou diferenças elas
possam ter.”
Defendo
também, desde a educação infantil, a inserção escolar da criança com
deficiência no sistema regular de ensino. Isso constitui uma
possibilidade de ela ter uma trajetória educacional mais favorável para
suas aprendizagens, na medida em que partilha de um ambiente marcado
pelo princípio do “todos”, e não pela idéia do “alguns”. E vive a
possibilidade de conhecer formas de estar no mundo e de aprender que são
diferenciadas da sua, podendo experimentar situações de aprendizagem
mais rica para si mesma e para possibilidades de intervenção pedagógica.
Para
reforçar, acredito que uma Escola inclusiva adota práticas baseadas na
valorização da diversidade humana, no respeito pelas diferenças
individuais, no desejo de acolher todas as pessoas, na convivência
harmoniosa, na participação ativa e central das famílias e da comunidade
local em todas as etapas do processo de aprendizagem. E, finalmente, na
crença de que, qualquer pessoa, por mais limitada que seja em sua
funcionalidade acadêmica, social ou orgânica, tem uma contribuição
significativa a dar a si mesma, às demais pessoas e à sociedade como um
todo.
Para
uma Escola tornar-se inclusiva, ou seja, uma instituição que, além de
aberta para trabalhar com todos os alunos, incentiva a aprendizagem e a
participação ativa de todos, faz-se necessário um investimento
sistemático, efetivo, envolvendo a comunidade Escolar como um todo. Para
isso efetuar-se de maneira satisfatória, é ainda necessário que a
Escola tenha estímulo e autonomia na elaboração de seu projeto
pedagógico, que possa elaborar um currículo Escolar que reflita o meio
social e cultural onde os alunos estão inseridos; que tenha a
aprendizagem como eixo central em suas atividades Escolares e que
reconheça o enriquecimento advindo da diversidade.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BRASIL. Declaração de Salamanca e linha de ação sobre necessidades educativas especiais. Brasília: Corde, 1994.
DINIZ, Margareth; VASCONCELOS, Renata Nunes
(Orgs.). Pluralidade cultural e inclusão de professores e professoras.
1. ed. Belo Horizonte, MG: Formato, 2004.
MANTOAN, Maria Tereza Eglér et al. A integração das pessoas com deficiência: contribuições para uma reflexão sobre o tema. São Paulo: Memnon, 1997.
MANTOAN,
Maria Teresa E. A solicitação do meio Escolar e a construção das
estruturas da inteligência no deficiente mental: uma interpretação
fundamentada na teoria de conhecimento de Jean Piaget. Tese de doutoramento. Campinas: UNICAMP/ Faculdade de Educação, 1991.
STAINBACK, Susan e STAINBACK, William. Trad. Magda França Lopes. Inclusão – Um guia para educadores. Porto Alegre: Artes Médicas Sul, 1999.
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