Segunda-Feira, 09 de Setembro de 2013
:: PL 4.330, o Shopping Center Fabril ::
Os
protagonistas do PL 4.330 tentam vender a ideia de que estão fazendo um
bem para os trabalhadores. No entanto, estão tentando justificar e
minimizar todas as maldades já cometidas pela terceirização ao longo dos
20 (vinte) anos em que se instituiu no cenário das relações de trabalho
no Brasil, desde quando foi incentivada pela Súmula 331, do TST, em
1993, tendo servido ao aumento vertiginoso da precarização das condições
de trabalho.
O projeto preconiza que terceirização “é
técnica moderna de administração do trabalho”, mas, concretamente,
representa uma estratégia de destruição da classe trabalhadora, de
inviabilização do antagonismo de classe, servindo ao aumento da
exploração do trabalhador, que se vê reduzido à condição de coisa
invisível, com relação à qual, segundo a trama engendrada, toda
perversidade está perdoada.
O próprio projeto se trai e revela, na
incoerência, a sua verdadeira intenção. Diz que a terceirização advém da
“necessidade que a empresa moderna tem de concentrar-se em seu negócio
principal” – grifou-se. Ocorre que o objetivo principal do projeto é
ampliar as possibilidades de terceirização para qualquer tipo de
serviço. Assim, a tal empresa moderna, nos termos do projeto, caso
aprovado, poderá ter apenas trabalhadores terceirizados, restando a
pergunta de qual seria, então, o “negócio principal” da empresa moderna?
E mais: que ligação direta essa empresa moderna possuiria com o seu
“produto”?
E se concretamente a efetivação de uma
terceirização de todas as atividades, gerando o efeito óbvio da
desvinculação da empresa de seu produto, pode, de fato, melhorar a
qualidade do produto e da prestação do serviço, então a empresa
contratante não possui uma relevância específica. Não possui nada a
oferecer em termos produtivos ou de execução de serviços, não sendo nada
além que uma instituição cujo objeto é administrar os diversos tipos de
exploração do trabalho. Ou seja, a grande empresa moderna, nos termos
do projeto, é meramente um ente de gestão voltado a organizar as formas
de exploração do trabalho, buscando fazer com que cada forma lhe gere
lucro. O seu “negócio principal”, que pretende rentável, é, de f
ato, o comércio de gente, que se constitui, ademais, apenas uma face
mais visível do modelo de relações capitalistas, que está, todo ele,
baseado na exploração de pessoas conduzidas ao trabalho subordinado pela
necessidade e falta de alternativa.
A terceirização, ainda, visa a dificultar
que se atinja a necessária responsabilidade social do capital. Nesse
modelo de produção, a grande empresa não contrata empregados, contrata
contratantes e estes, uma vez contratados, ou contratam trabalhadores
dentro de uma perspectiva temporária, não permitindo sequer a formação
de um vínculo jurídico que possa ter alguma evolução, ou contratam
outros contratantes, instaurando-se uma rede de subcontratações que
provoca, na essência, uma desvinculação física e jurídica entre o
capital e o trabalho, tornando mais difícil a efetivação dos direitos
trabalhistas, pois o empregador aparente, aquele que se apresenta de
forma imediata na relação com o trabalho, é, quase sempre, desprovido de
capacidade econômica ou, ao
menos, possui um capital bastante reduzido se comparado com aquele da
empresa que o contratou.
Vale lembrar que o capital envolvido no
processo produtivo mundial é controlado, efetivamente, por pouquíssimas
corporações, que com a lógica da terceirização buscam se desvincular do
trabalho para não se verem diretamente ligadas às obrigações sociais,
embora digam estar preocupadas com ações que possam “salvar o mundo”!
Em várias situações o próprio
sócio-empresário da empresa contratada, dependendo do alcance da rede de
subcontratações, não é mais que um empresário aparente, um pseudo
capitalista. Ele não possui de fato capital e sua atividade empresarial é
restrita a dirigir a atividade de trabalhadores em benefício do
interesse produtivo de outra empresa. Na divisão de classes, suplantando
as aparências, situa-se no lado do trabalho. São, de fato, empregados
daquela empresa para a qual prestam serviços, mesmo que seu serviço se
restrinja ao de administrar o serviço alheio.
É interessante perceber que essa situação
da precarização do capital, como efeito da terceirização e
principalmente das subcontratações em rede, foi visualizada pelos
autores do projeto de lei em comento, tanto que tiveram o “cuidado”, na
perspectiva do interesse do grande capital, de prever que não se forma
vínculo de emprego entre o sócio da empresa terceirizada e a empresa
contratante, embora tenham tentado, é verdade, minimizar os problemas
daí decorrentes com a exigência de um capital mínimo para a constituição
da empresa terceirizada, o que, no entanto, como se verá adiante, não
constitui garantia eficiente ao trabalhador e não anula o problema maior
do afastamento entre o capital e a responsabilidade social.
A revelação mais importante que se extrai
do projeto é a de que o negócio principal de uma empresa é a extração de
lucro por intermédio da exploração do trabalho alheio e quanto mais as
formas de exploração favorecerem ao aumento do lucro melhor, sendo que
este aumento se concretiza, mais facilmente, com redução de salários,
precariedade das condições de trabalho, fragilização do trabalhador,
destruição das possibilidades de resistência e criação de obstáculos
para a organização coletiva dos trabalhadores, buscando, ainda, evitar
qualquer tipo de consciência em torno da exploração que pudesse conduzir
a práticas ligadas ao antagonismo de classe.
O engodo fica mais evidenciado na
percepção da contradição de um sistema econômico que tenta vender a
ideia de preocupação com o social, desenvolvendo estratégias de gestão
de pessoal voltadas ao que denominam de “humanização” das relações de
trabalho, mas que, ao mesmo tempo, preconiza que só pode se sustentar
por intermédio de um modo de produção no qual o capital se desvincule do
trabalho e, consequentemente, do trabalhador, para que não tenha que se
preocupar com os dilemas pessoais deste. Do embaralhado de contratos
entre empresas, o que se pretende é que o serviço seja feito, não
importando por quem ou o meio que a empresa terceirizada utilize para
que o serviço esteja pronto, na forma, na quantidade, na qualidade e no
prazo contratados.
E se o grande capital possui e exerce esse
poder sobre a empresa contratada, esta, concorrendo com outras para
pegar uma parcela do capital, tende a se relacionar da mesma forma com
outras empresas que venha a contratar e, mais ainda, com os seus
trabalhadores subordinados.
Nesta perspectiva é importante que a
classe trabalhadora perceba que nem mesmo a mera rejeição do PL 4.330
constitui uma vitória completa, vez que a terceirização que está aí
precisa ser combatida, na medida em que agride vários preceitos
jurídicos e atinentes às relações humanas, sobretudo no âmbito do setor
público.
Em suma, a situação que se extrai do PL
4330, caso viesse a ser aprovado, pois já se tem boas razões para
acreditar que não será, seria a de empresas constituídas sem empregados,
com setores inteiros da linha de produção, da administração, do
transporte e demais atividades geridos por empresas interpostas cujo
capital social é bastante reduzido se comparado com a contratante,
gerando, por certo, uma redução de ganhos, além de um grande feixe de
relações jurídicas e comerciais, que se interligam promiscuamente, mas
que servem para evitar que os diversos trabalhadores, das variadas
empresas, se identifiquem como integrantes de uma classe única e se
organizem.
De fato, ter-se-ia a formação de uma
espécie de shopping center fabril, onde o objeto principal de comércio é
o próprio ser humano.
Escrito por Jorge Luiz Souto Maior, professor livre-docente da Faculdade de Direito da USP. Juiz do trabalho.
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