Divulgando...
Boa
tarde povo!
4ª
dia de Pensamento Inquieto! Continuamos com os textos anunciados na primeira
postagem. Os mesmos serão divididos em várias postagens pra facilitar a
leitura.
Obs.:
Lembrando que temos uma novidade! Se você estiver sem tempo para ler o texto, a
partir de agora disponibilizaremos um link para que você possa ouvir o texto
sintetizado em MP3 (Haverá alguns sotaques visto que são sintetizadores
estrangeiros)! O(s) Link(s) estará(ão) sempre entre o primeiro e o segundo
parágrafo do texto postado.
Degustem!
CONTINUANDO...
Então, para que o corpo aguentasse essa realidade nova, era
preciso abstrair o corpo, tornar o Ser Humano abstrato. Nesse momento,
aparece a visão moderna do Ser Humano com a qual se trabalha hoje. Ele é um
indivíduo, um trabalhador livre, portador de uma vontade, e portador de uma
vontade livre, de uma liberdade. Mas de uma liberdade muita estranha, que se
traduz por um dos mais imbecis conceitos
de liberdade que já se viu. “A minha liberdade termina onde começa a liberdade
do Outro.” Essa
definição de liberdade é a negação da liberdade. Se a minha liberdade termina
onde começa a outra liberdade, isto depende da força, do espaço do outro.
Então tenho menos liberdade quanto maior
a força do outro. É um conceito que justifica a força; é um conceito que
nega a possibilidade da fraternidade, da solidariedade. Os homens são essencialmente concorrentes. A minha liberdade é um
problema de jogo de espaço de, “livre concorrência”, o que nunca foi.
Ora, o resultado disso é que a Justiça passa a ser
conceituada para esse Homem abstrato e não para o Homem concreto que nós
observamos.
A justiça passa a ser tratada como uma questão de partes.
Vocês já perceberam, vocês que são tão ricos em termos de existências,
projetos, trajetórias, que quando entram num processo se tornam parte, isso é
autor, réu, requerente, requerido, embargante, embargado. As suas vidas não
interessam. Vocês são abstrações em luta
numa sintaxe processual. Isso é a quintessência dessa visão abstrata, que
aparece na Primeira Revolução Industrial.
Isso leva a alguns indicadores de concretização. Em
Direito isso é chamado a “inserção no padrão napoleônico”, porque o código de
Napoleão de 1810 é que praticamente fez o modelo jurídico e o modelo de visão
do ser humano que concretizou os ideais burgueses que haviam sido construídos
nas Revoluções de 1688, 1776 e 1779. O nosso Código Civil de 1916 é cópia
servil do Código de Napoleão, isto é, Clóvis Bevilacqua, com toda a sua
criatividade não fez muita coisa a não ser a adaptação do Código Civil de
Napoleão de 1810.
Nesse momento o que se percebe é que o Homem se torna
a-histórico, abstrato, se torna um conceito, e nós fomos todos cegados para a
concretude. Nós trabalhamos bem o conceito, mas não
trabalhamos bem com o próprio real, com o próprio mundo do dado que nos assalta.
Voltando à primeira história, falamos muito dos pobres menores abandonados, mas lavamos as mãos
quando eventualmente colocamos no colo uma criança. Operamos
bem com o abstrato e pessimamente com o concreto. Porque é assim
que é preciso! Por quê? Porque no fundo
se trabalharmos com a afirmação da corporeidade, negamos a produção em linha,
negamos a possibilidade de Revolução Industrial, da disciplina no trabalho.
Então, é preciso que o Homem se torne olhos e ouvidos. E o interessante: só
olhos e ouvidos, porque os outros sentidos, não é muito bom colocarmos. O tato
é sensual, o gosto é gula, e cheirar pega mal. Por isso nós somos olhos e
ouvidos. Quando nós nos pensamos, nos
vemos, nos ouvimos. Porque nós somos educados para os olhos e os ouvidos. E é assim que se
faz um produtor eficaz. Inodoro, incolor, insípido e eficaz. Assim é
que se faz, lembrando um outro livro sobre o que se está tratando, “A vigésima
quinta hora”, assim é que se faz o
cidadão bom. Conformado, acrítico e a serviço dos poderes dominantes. Porque ele nega
aquilo que lhe é essencial a corporeidade.
Como é que isso explode na contemporaneidade? Isso
explode na contemporaneidade com coisas terríveis. Como trabalhamos com abstrações e como a tecnologia traz uma série de
formas de estimulação, que a escola de Frankfurt chama de indústria cultural,
transformamos o mundo em imagens cênicas. Em conversa com uma jornalista
perguntei: vocês já perceberam que as coisas no Brasil acontecem como se fosse
capítulos de uma novela? Vocês, sabem me dizer a cronologia dos escândalos do
governo Collor? O que está acontecendo com aqueles envolvidos? Passou, já
terminou. Quer dizer, acabou a novela do Homem das Bicicletas, depois vem a
novela O Contrato do Uruguai e assim por diante. Termina. As coisas são cênicas, os espetáculos se esgotam em si mesmos numa
negação do cênico grego, do cênico artístico. É o cênico operatório. Por outro
lado, as teorias da contemporaneidade das metrópoles nos trazem outra questão
seríssima. Elas dão o mundo como fragmentado. O mundo é fragmentado. O mundo,
as pessoas. A massa é informe, é um
buraco negro que praticamente absorve as informações mas não reflete. A
tendência do mundo é a entropia. Nesse momento, percebemos que estamos vivendo
uma fragmentação em termos de conceito, estamos vivendo uma sociedade onde o
cênico, o televisivo, nesse sentido estrito, aparece; uma sociedade, onde o
capitalismo e o socialismo estão em crise, e uma sociedade que, com essas características, desensibiliza as pessoas
para os problemas que tem na imediatidade. É uma sociedade que é presa fácil dos mitos.
Quais são os mitos que nós podemos perceber na sociedade
hoje? Um: o mito do mercado. Isto é, nós temos um novo Deus,
lembrando Hugo Assmann, que tem um livro: Luta dos Deuses. Hoje temos um novo Deus, o Deus Mercado. Ele, na sua sapiência infinita, vai resolver
todos os problemas da Humanidade. Segundo aspecto dessa sociedade: uma sociedade eminentemente tanática,
no sentido freudiano do termo, onde os valores da morte são muito mais
importantes que os valores da vida. Isto é o real.
Enquanto falamos
aqui, estão se empilhando crianças mortas a cada dois minutos lá no canto.
A cada dois minutos morre uma criança carente neste país. E ao final de uma
palestra de 60 minutos, 30 crianças estão mortas lá no cantinho, e nós aqui
lembrando e conversando. Terceiro: esse
sentido de morte é tão grande que nós incorporamos a morte em termos
conceituais. Por exemplo, cai um muro em Berlim e nós dizemos que o socialismo
morreu. Como
se a queda de um muro tivesse resolvido os problemas de classe no país.
Caiu o muro de Berlim e nesse momento um peru assado entrou no sertão do Cariri
para todos aqueles que lá moram. Cai o muro de Berlim, e nesse momento todos
aqueles que moram nas palafitas recebem empregos na General Motors. É o
mito da morte: a morte do socialismo. Outros, como Fukuyama, diz que a
História morreu. Chegou a liberalismo, que é a parusia social, é o final dos tempos.
Todos um dia vão chegar a essa liberdade de mercado que é o final dos tempos.
Então não tem mais História, numa interpretação, diga-se de passagem, numa
leitura imbecil de Hegel. Perdoem-me
alguns que acham que ele é sofisticado na análise de Hegel, eu acho que deveria
ir para Hegel novamente, porque é uma leitura completamente deformada.
Alguns teólogos americanos, de igrejas, proclamaram a
morte de Deus, Deus também morreu, vamos fazer uma teologia sem Deus. Uma
contradição!
E finalmente, os
pensadores franceses da contemporaneidade que recebeu o rótulo de pós-moderna
dizem: as utopias morreram. Quer dizer, nos sacam até a possibilidade de sonhar.
Ora, é nesse momento então, que olhando esse tema, precisamos pensar a Justiça como uma volta
à concretude. A concretude do corpo, da participação, de perceber que o
Homem está referenciado a uma totalidade, não só uma totalidade como uma certa
leitura mecanicista, mas uma totalidade bem mais ampla. E segundo:
que pensar Justiça, nesse eixo,
significa pensar na alteridade concreta como fundamento da Justiça. Pensar que
a Justiça só se concretiza na historicidade. Não uma história no sentido do
progresso, aquela história sem volta, mas talvez retomando a pluralidade
histórica. Perceber que a Justiça está
em função da contradição. Isto é, a categoria contradição está ínsita na
questão Justiça. Não é possível pensar Justiça numa sociedade que no fundo tem
padrões supra-sociais que interferem numa sociedade harmônica. Não. A Justiça é a superação das contradições
circunstanciais, pessoais, coletivas, que a sociedade apresenta e o cidadão, em
termos de opções éticas, tem que resolver.
E, finalmente, e perceber que os valores que
embasam a Justiça são os valores sociais. Os valores são construções sociais históricas,
no sentido de aperfeiçoamento das relações entre os Homens. Aliás, é
interessante que certas palavras são hoje muito mal-faladas. Falar de amor, de
fraternidade, de felicidade, pega mal. Não é racional. Nós sacamos o fundamental porque não é racional. Clivamos o mundo.
O racional não vai tratar de felicidade, onde já se viu? Felicidade é um
conceito. A felicidade do trabalhador é a tecnologia, mas se não trabalharmos com outros conceitos trabalharemos com números.
O que é o trabalhador feliz, perante uma sociedade que se tecnologiza (para usar
o neologismo)? Esse é um eixo que eu queria abordar.
Um segundo eixo
que eu queria colocar é o eixo da planetarização. Isto é, percebemos que o conceito de
Justiça, antes, era um conceito individual. Se tomarmos os romanos,
os gregos, ou se pegarmos até mesmo o Código de Hamurabi, que viveu na
Mesopotâmia há um bom tempo, perceberemos que a Justiça é um problema
interpartes. É uma justiça que chamamos
de comutativa. Quer dizer, eu vendo e tenho que vender pelo justo preço, e
o comprador tem que me pagar, mas pagar pelo preço que eu pedi. É o equilíbrio,
entre partes. E esse sentido foi sendo levado por muito tempo na História. E o século XIX, pelas suas lutas, e pelo
assumir da historicidade, da participação do Homem em grupos sociais, em
classes sociais, pela criação, pela descoberta ou pela redescoberta da
dialética, é que vai trazer uma outra dimensão da Justiça, que é a
internacionalização da Justiça. A Justiça sai do individual, ou do império
ou do nacional, para se tornar um problema internacional. Quando Marx diz: “proletariado do mundo,
uni-vos”; ele está procurando uma Justiça que não se cinja a países, se cinja a
um problema que passava internacionalmente pelo Planeta.
Mas a questão internacional ainda é pouco. Isso porque,
hoje, os problemas que a humanidade vive
não são problemas que dependem apenas de governos internacionais. Os problemas
são planetários! Relembrando os exemplos, o problema nuclear não é um problema
internacional. É um problema planetário, é um problema da espécie, do planeta.
Isto é, pela primeira vez o homem chegou a um momento em que, talvez na
história biológica, é a primeira espécie que pode ser suicida. É se
auto-destruir com seus próprios instrumentos. Não se conhece espécies suicidas. Mesmo alguns biólogos dizem que
os Lemingues se suicidam nas tundras do Canadá, mas isso aí é para regular a
população, porque senão as línquens não serão suficientes para alimentá-los.
Nós, não. Nós estamos na primeira possibilidade.
A própria
tecnologia traz esses problemas de meio ambiente, e esses problemas não se
cingem a países, mas ao planeta. E mais, essa questão de Justiça começa a
invadir até outros aspectos. Se eu disser, que nós precisamos, eventualmente,
pensar numa Justiça cósmica, vão dizer que isso é alucinação de uma pessoa que
andou lendo demais. Mas, o próprio caminhar da humanidade indica isso, as
descobertas sobre a estrutura molecular do Homem, o próprio sentido de que o homem participa do tecido do Universo, ele é
parte disso! As contribuições da mecânica quântica, da astrofísica, para
dizer algumas, levam a pensarmos que talvez o Homem tenha uma característica
que precisamos destacar. O Homem é
inesperado. O homem é um ser estranho. Comprimido entre dois mistérios do
seu nascimento e morte e com grande parte da sua existência trabalhando no
invisível. As contribuições de Freud, de
Jung, mostram que existe uma camada de indizível, encoberta, que nós mesmos não
explicamos. Então no homem há um indizível interno e um mistério na sua
existência, e isso talvez venha a mexer com nova ordem de problemas.
Por isso diria: há necessidade de nós refletirmos a
Justiça numa amplitude bem maior. Não somente na sua incidência, como na
necessária reconceituação da relação dos homens, entre si e com o seu meio.
Um outro eixo, que acho importante levantar,
é o da paixão perdida. Nos séculos XVII, XIX, a primeira Revolução
Industrial matou a paixão. Matou-a operatoriamente, para efeitos de eficácia. E é a paixão que faz as grandes
transformações da história. Nunca se viu alguém que não fosse apaixonado
fazendo alguma transformação que fosse razoável no mundo. Se Mozart não fosse
apaixonado pela música, se Einstain não fosse apaixonado pelo Universo, se Marx
não fosse apaixonado pelo outro, pelos explorados, nada teria acontecido! Nem
teríamos as obras de Mozart, nem teríamos a grande revolução científica, nem
teríamos as transformações sociais.
E é surpreendente
que essa paixão, que faz as coisas andarem, praticamente foi dada como algo
maléfico, perigoso. Então, amor é bom, paixão é destrutiva. O amor constrói,
lembrando aí a época da ditadura; Dom e
Ravel, grandes teóricos! A paixão destrói! O amor plenifica. A paixão fragmenta. Por isso dizemos não sou
apaixonado pela minha mulher, tenho um grande amor por ela. Porque paixão é aquele negócio avassalador,
que passa um trator em cima e esmigalha. Isso é que nos é passado!
Em todas essas épocas até o século XIX, quando surge a
produção em linha e Taylor, em todas essas épocas, a paixão era algo do ser humano. A partir daí, percebeu-se que, na produção
em linha, o apaixonado não trabalha bem. Mas é óbvio. Vocês já pensaram um
sujeito apaixonado por sua companheira, na cama com ela, e às seis horas da
manhã toda o despertador pera ele entrar na fresa, ou no torno? Ele,
certamente, chutará, com a maior legitimidade, o seu despertador. E criará uma
lacuna na linha de produção. Então, é preciso que o homem mate a paixão, se
reconceitue como um ser amoroso, e nunca apaixonado.
E com isso o que acontece, no âmbito específico que nós
estamos tratando aqui? Não há mais a paixão pela Justiça. A
Justiça é um conceito, é um jogo, é uma relação, é uma geometria, mas a Justiça
não é paixão! Nós
perdemos a possibilidade do sentimento da Justiça, da paixão pela Justiça.
E é uma paixão envolvente, porque é uma
paixão teórico-prática. É uma paixão de reflexão e ação. De valores e ações.
Então, quando se perde a paixão pela Justiça, nesse momento a sociedade se abre para essa
dimensão completamente aética que nós vivemos. Nós vivemos numa sociedade, hoje, onde não há parâmetros para coisa
alguma. Tudo
é válido, desde que dê lucro.
CONTINUA NA PRÓXIMA
QUARTA...
Obs.: Os negritos
itálicos são os destaques do texto original; os [ ], os negritos
e os negritos
vermelhos são destaques nossos.
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