Divulgando...
Boa tarde povo!
4ª dia de Pensamento Inquieto! Continuamos
com os textos anunciados na primeira postagem. Os mesmos serão divididos em
várias postagens pra facilitar a leitura.
Obs.: Lembrando que temos uma novidade!
Se você estiver sem tempo para ler o texto, a partir de agora
disponibilizaremos um link para que você possa ouvir o texto sintetizado em MP3
(Haverá alguns sotaques visto que são sintetizadores estrangeiros)! O(s)
Link(s) estará(ão) sempre entre o primeiro e o segundo parágrafo do texto
postado.
Degustem!
CONTINUANDO...
E também, com Gramsci, se criou algo que já vinha de
antes e que Kautsky já havia chamado de ‘estratégia da derrubada’ e ‘estratégia
do assédio’; que dizer, a derrubada seria esse choque frontal, o assédio seria
esse processo de guerra de posição. Portanto, antes de Gramsci, mas sobretudo
com ele, criou-se um novo paradigma, um
novo conceito marxista de revolução, que me parece não só o mais adequado ao
mundo contemporâneo, o mais exequível, mas também aquele que nos interessa
mais, porque é aquele em que mais facilmente podemos preservar relações
participativas do tipo democrático.
Quer dizer, as revoluções que se dão através da
violência, embora em muitos casos sejam necessárias (não vou imaginar que fosse
possível derrubar a ditadura de Somoza na Nicarágua através da guerra de
posição, porque não havia posições a serem conquistadas, ele não era dono
apenas do Estado, mas da economia do país; dificilmente ali poderia ter sido
diferente), certamente implicam riscos de regressão que são muito maiores do
que no caso da construção de uma sociedade através da luta pela hegemonia e
pelo consenso. Muito bem, o socialismo hoje implica a necessidade de pensarmos uma
estratégia, que eu chamaria de reformista-revolucionária, para a construção de
uma nova ordem social.
E, ao falar de reformismo revolucionário, inspirando-me
numa velha ideia de André Gorz, depois usada por Lucien Goldmann, ao propor uma
estratégia reformista revolucionária, estou propondo uma terceira via entre os
dois modelos de revolução ou de transformação, mais precisamente, que
dominaram aqueles dois troncos do movimento operário a que me referi antes.
Quer dizer, por um lado acho que devemos abandonar a ruptura revolucionária, a
ideia de que só há revolução, que só há transformação, quando se toma o palácio,
no caso brasileiro o Palácio do Planalto, no caso de 1917, o Palácio do
Inverno,e, a partir desse momento, se começa a introduzir transformações
radicais na sociedade. Acho que essa concepção de revolução está superada, pelo
menos nos países onde há um razoável grau de desenvolvimento da sociedade
civil. Isso vale para a maioria dos países da América Latina de hoje. Por outro
lado, essa proposta supera também o modelo de transformação social-democrata.
Veja bem, não
critico a social-democracia por ela ser reformista, critico-a por ser
insuficientemente reformista.
E acho que a ideia
de reforma como momento de transformação social, ou melhor, até como momento de
revolução, é uma ideia que está presente no próprio Marx. Quando se
conquistou, na Inglaterra, pela primeira vez, a fixação legal da jornada de
trabalho (se não me falha a memória em dez horas), Marx disse o seguinte: “essa
foi a primeira vitória da economia política do trabalho sobre a economia
política do capital”. Ora, se Marx
reconhece que uma reforma desse tipo é uma vitória da economia política do
trabalho, então Marx autorizou, claramente, do ponto de vista teórico, a luta
por reformas.
Imaginem quantas vitórias da economia política da classe
trabalhadora foram conquistadas, por exemplo, no welfare state: direito de
aposentadoria, direito de férias, enfim, inúmeros direitos que certamente ainda
não dão ao trabalhador uma plena cidadania social, mas que assegura-lhe inúmeras
vantagens, conquistadas ainda no interior do capitalismo. A social-democracia
captou essa possibilidade de uma luta por reformas de conquistas efetivas, mas a meu ver, peca porque toda vez que a
dinâmica das reformas entra em conflito com a lógica do capital, e isso se dá
rapidamente, porque o Estado capitalista não é capaz de financiar plenamente os
direitos sociais conquistados, há uma crise fiscal. Então toda vez que ocorre
esse choque entre o aprofundamento da cidadania e o Estado capitalista, a
lógica do capital, a social-democracia tem, em geral, recuado e passado a gerir
a lógica do capital.
Então, o reformismo deles é um reformismo que eu chamaria
fraco, é um reformismo, no máximo,
‘melhorista’. Dizem: vamos melhorar o capitalismo, e, à medida que as reformas se chocam com o capitalismo, eles em vez de
ficarem com as reformas, ficam com o capitalismo. A minha ideia é que a estratégia socialista
revolucionária possível hoje, é aquela que, utilizando as reformas como
instrumento fundamental da luta política, tenha clara consciência de que essas
reformas devem ser aprofundadas no sentido da superação da lógica do capital,
no sentido da transformação do investimento social e não em algo que vise
essencialmente ao lucro privado, mas em algo que vise essencialmente ao
bem-estar da sociedade. Reformas,
portanto, que devem ser feitas tanto na ordem econômica, no sentido de
controlar socialmente a produção econômica, mas também na ordem política, no
sentido de transformar profundamente o Estado e fazer dele algo permanentemente
submetido ao controle social.
Acho que essa nova proposta socialista de construção de
uma nova ordem social deve abandonar uma posição que marcou tanto a vertente
bolchevique-comunista quanto a vertente social-democrata, que é um
viés profundamente estatísta; uma identificação seguramente equivocada entre
estatal e público. Tanto a social-democracia pensou as suas reformas
como algo a ser realizado através da burocracia do Estado, como as sociedades
do Leste europeu conceberam a socialização da propriedade como a estatização da
propriedade e, na prática, o controle dessa propriedade estatal pela burocracia
estatal. Não vou discutir aqui se isso chegou a constituir uma classe, mas que
certamente explorava o conjunto da sociedade porque tinha privilégios, porque
detinha o controle da propriedade estatal e, nessa medida, impediu que se realizasse uma efetiva socialização da
economia.
Devemos, hoje,
conceber um socialismo que não confunda e que não identifique o público com o
estatal. Acho que deverá haver, é claro, algumas formas de propriedade do
tipo estatal: bancos, etc. Mas devemos ser criativos para imaginar formas de controle
público da economia que não necessariamente sejam formas de propriedade estatal:
cooperativas, pequenas empresas integrando-se em cooperativas maiores, enfim, mecanismos que assegurem a propriedade do
público sobre o privado numa economia que não hesitaria em chamar de economia
mista. Acho que há setores que continuarão como propriedade privada, haverá
um razoável grau de mercado, submetido, certamente, a um planejamento global.
Mas eliminar
o mercado por decreto revelou-se inviável. Então, numa economia mista, onde haja um integração
dinâmica entre planejamento e mercado, é possível fazer com que os interesses
públicos sejam prioritários sobre os interesses privados e, portanto,
subordinar a lógica do capital, onde ela ainda existir, a uma lógica nova, que
vise ao bem-estar da sociedade.
Na economia parece-me que são essas as reformas que devem
ser feitas no sentido de transcender a ordem social capitalista. Na política, por outro lado, acho que
devemos inventar mecanismos que cada vez mais coloquem a sociedade civil
controlando o aparelho de Estado até o ponto de absorver os mecanismos burocráticos
do Estado nos organismos hegemônicos e autogeridos da sociedade civil.
E tendemos a esquecer que uma utopia fundamental de Marx
(no sentido positivo da palavra utopia) é o fim do Estado. O ideia de
Marx é que o
socialismo era uma etapa transitória para a realização do comunismo, onde
haveria o fim do Estado. E lembro-me que Stalin, com seu enorme
cinismo, dizia assim: “dialeticamente, para que o Estado desapareça, tem de se
fortalecer cada vez mais; quanto mais forte ele for, mais perto estará de
desaparecer”. E, com isso, criou-se aquela monstruosidade que conhecemos.
Então, esse viés estatista não é a posição de Marx. Nessa medida, deve-se recuperar a noção do fim do Estado,
talvez com um pouco mais de realismo do que Marx, não com a ideia de que o
Estado possa se extinguir inteiramente, mas certamente com a ideia de que ele
pode ser bastante enfraquecido e controlado progressivamente pela sociedade
civil.
Alguém poderia dizer que estamos defendendo o
neoliberalismo que também fala em enfraquecer o Estado. Não, porque o neoliberalismo pretende enfraquecer o
Estado para pôr no seu lugar o mercado, e o mercado com todas as suas terríveis
injustiças, um mercado que, no Brasil, exclui de si mesmo quase dois terços da
população. Se o neo-liberalismo, nos países desenvolvidos, é a sociedade
dos dois terços, quer dizer, dois terços vivem mais ou menos bem e um terço
vive miseravelmente, no Brasil é a sociedade do um quarto: três vivem
miseravelmente. Então, não se trata de enfraquecer o Estado para pôr
em seu lugar o mercado, mas de enfraquecer
o Estado para pôr em seu lugar a sociedade civil. Devemos conceber um caminho
democrático e socialista onde a sociedade civil cresça cada vez mais e se torne
cada vez mais o sujeito da construção da cidadania e das políticas sociais.
Não se deve entregar sua realização à burocracia estatal, mas ter a sociedade
civil como gestora e implementadora da política educacional, da política de
saúde, etc.
Nós, socialistas,
nós, de esquerda, vivemos hoje num mundo onde não é difícil constatar a
presença ainda hegemônica das correntes neoliberais. Vejam bem, uma presença
hegemônica aparentemente tão forte que um filósofo dublê de funcionário do
Departamento de Estado norte-americano, Francis Fukuyama, chegou a escrever um
livro, inteligente, para defender a ideia de que chegamos ao fim da história.
Quer dizer, a democracia liberal,
entendida como liberalismo político e (de)
mercado é o fim da história: quem ainda tem história é quem ainda não
chegou lá. Por exemplo, nós ainda temos história, então vamos passar, até
chegar lá, direitinho por aquele modelo europeu e tal...
Lembro-me sempre que o Hitler dizia que o Terceiro Reich
ia durar mi anos; durou doze. Então, tenho a impressão de que também esse reino
milenar, ou eterno, do mercado liberal, não vai durar tanto tempo assim.
Como vocês sabem, o conjunto dos países do Primeiro Mundo
vive hoje uma profunda recessão econômica. Não é só o socialismo que está em
crise, o capitalismo continua a manifestar traços da sua crise já secular.
Como é possível resolver, através de políticas neoliberais a imensa disparidade
entre o Norte e o Sul do mundo? Esse modelo neoliberal só faz acentuar as desigualdades
sociais, e, vejam bem, um fenômeno como a Somália atual é resultado do
capitalismo, não da falta de capitalismo, como alguns neoliberais
têm tentado nos vender ‘o peixe’, Dizem que a África está assim porque não tem
capitalismo, quando o capitalismo chegar lá, resolve. Qual o mal do Brasil é a
falta de capitalismo, houve até quem propusesse um choque de capitalismo.
Não, a miséria
brasileira e a miséria africana são claramente resultado do capitalismo, que
não é um fenômeno nacional, e sim um fenômeno internacional. Então, o capitalismo
também está em crise e o neoliberalismo apresenta hoje em dia traços de uma
profunda crise como modelo de legitimação. É impossível conviver com
fenômenos como a Somália, é impossível conviver com a Baixada Fluminense, onde
a situação ainda não é tão grave quanto a situação da Somália. O neoliberalismo começa, portanto, a
apresentar sintomas de que sua hegemonia não será longa. Mesmo no Brasil,
onde em alguns momentos a política do Collor chegou a demonstrar que duraria,
acho que, também no Brasil, ele começa a revelar seus limites.
Às vezes, nos preocupamos um
pouco com a bizarrice do presidente Itamar Franco. Mas, o fato real é que o
Itamar tem posto o dedo em alguns problemas importantes, demonstrando
claramente que esse negócio de que modernidade é ir para o Primeiro Mundo, não
é nada; modernidade é resolver as condições de miséria do povo brasileiro,
sem o que não tem modernidade nesse país. Modernidade é importar o BMW? Claro
que não. Lembro-me, fui do PCB muitos anos, que todo documento do PCB sempre
começava pela parte internacional e tinha uma frase inicial assim: “O
socialismo avança no mundo.” Podia estar acontecendo coisas trágicas para o
socialismo, como o conflito sino-soviético, a intervenção na Tcheco-Eslováquia,
mas o socialismo estava sempre avançando.
O reino do
neoliberalismo começa a revelar cisões, fraturas, começa a demonstrar que
como o Reich dos mil anos do Hitler não vai demorar tanto assim, e formas de
inquietação começam a se manifestar na Europa e em outros países do mundo,
indicando uma possibilidade de uma retomada da esquerda.
O que será essa nova esquerda? Não sabemos ainda. Certamente ela não será uma esquerda apenas
proletária. E
continua achando que a classe fabril tem uma centralidade na luta pelas
transformações sociais, socialista, mas certamente não é mais o único sujeito
dessas transformações. Temos que conceber uma esquerda que se abra para demandas que provêm de inúmeros
outros segmentos da sociedade e demandas que, implicando o aprofundamento da
cidadania, certamente têm uma lógica própria que se chocará com a lógica do
capital. Estou
plenamente convencido de que a expansão da cidadania é incompatível com a
permanência do capitalismo. Se fosse compatível, acho que deveríamos abandonar
o socialismo.
Se pudermos conseguir todos os direitos sociais e
políticos que nos propomos hoje, e que a humanidade certamente vai propor daqui
pra frente, (e os direitos não acabam hoje, outros direitos vão surgir), e
ainda, se todo esse volume de direitos for compatível com o capitalismo, com a
lógica do capital, então certamente o socialismo não tem futuro. Acho que não,
pois o socialismo é justamente a
possibilidade de realizar plenamente essa demandas sociais, e pelo menos
durante um certo tempo na história dar também segmento às novas demandas
emergentes que certamente se colocarão às gerações futuras. Também o socialismo não é
eterno,e nós não sabemos o que vem depois, mas certamente ele é, e insisto nisso, hoje é preciso
insistir enfaticamente, uma ordem social capaz de responder às contradições e
demandas do mundo contemporâneo. Nesse sentido, acho que a necessidade do socialismo brota das
próprias contradições do capitalismo. E isso nos dá razões de
esperança e de um otimismo pelo menos moderado.
Obs.: Os negritos
itálicos são os destaques do texto original; os negritos e os negritos vermelhos são destaques nossos.
SUGESTÕES
DE LEITURAS
Marxismo, guerras e
revoluções – Issac Deutscher. Ática, 1991. SP.
A vingança da História: o
marxismo e as revoluções do leste – Alex Callinicos. Jorge Zahar Ed., 1992. RJ.
A crise da crise do
marxismo: Introdução a um debate contemporâneo – Perry Anderson. Brasiliense,
1983. SP.
Depois da queda: o fracasso
do comunismo e o futuro do socialismo – Robin Blackburn (org.). Paz e Terra,
1992. RJ.
Como bem resumiu Nelson Rodrigues:
“Não caçamos pretos, no meio da rua, a pauladas, como nos Estados Unidos. Mas
fazemos o que talvez seja pior. A vida do preto brasileiro é toda tecida de
humilhações. Nós o tratamos com uma cordialidade que é o disfarce pusilânime de
um desprezo que fermenta em nós, dia e noite.”
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