Divulgando...
Boa tarde povo!
4ª dia de Pensamento Inquieto! Continuamos
com os textos anunciados na primeira postagem. Os mesmos serão divididos em
várias postagens pra facilitar a leitura.
Obs.: Agora temos uma novidade! Se você
estiver sem tempo para ler o texto, a partir de agora disponibilizaremos um
link para que você possa ouvir o texto sintetizado em MP3 (Haverá alguns
sotaques visto que são sintetizadores estrangeiros)! O(s) Link(s) estará(ão)
sempre depois do primeiro parágrafo do texto postado.
Degustem!
Por razões outras não
pudemos publicar na 4ª, aproveitando o bicentenário do nascimento de Marx,
estamos aqui hoje.
GUETO
DO PENSAMENTO INQUIETO
MARX
CARLOS
NELSON COUTINHO – Pensador marxista, professor da
Universidade Federal do Rio de Janeiro
O
Pensamento Inquieto (Curso de Extensão Universitária a
Distância). Organização de Clodomir de Souza Ferreira, João Antonio de Lima
Esteves e Laura Maria Coutinho – Brasília: CEAD/Editora Universidade de
Brasília, 1993. (pp. 23 a 38).
QUESTÕES
PARA RELFEXÃO
É impossível pensar Marx sem
pensar o problema do socialismo e de sua crise atual, assim como não se pode
pensar o socialismo sem discutir Marx e sua influência histórica. Vive-se,
hoje, uma crise do marxismo, ou apenas do socialismo tal como existiu na União
Soviética e nos países do Leste Europeu? Para onde vão essas sociedades? Qual a
perspectiva das pessoas que tinham no socialismo sua utopia e esperança de
superação das desigualdades sociais no mundo? O capitalismo venceu? (“A miséria
brasileira e a miséria africana são resultados do capitalismo...”) Marx e o
marxismo estão ultrapassados? Estas e outras questões são discutidas por Carlos
Nelson Coutinho. Há respostas satisfatórias e definitivas?
Apesar de eu ter preferido não abordar diretamente o
pensador Marx, a importância de suas filosofias, de suas reflexões, e sim
repensar a questão do socialismo no mundo de hoje, pareceu-me que, ao fazer
isso, não estou absolutamente sendo infiel ao tema, porque é impossível pensar o problema do socialismo sem pensar em Marx, e é impossível
pensar em Marx sem pensar a questão do socialismo. Nessa medida, preferi
abordar Marx sem isolá-lo de sua influência histórica, ou seja, exatamente como
um pensamento que se revelou, uma ação que se revelou, uma práxis que se
revelou – enquanto mundo real.
Aqui parece-me que se coloca a primeira questão: falar
hoje sobre o socialismo é certamente falar sobre alguma coisa que atravessa uma
profunda crise. Portanto, isso também nos leva a pensar na chamada
crise do marxismo. Diria que essa crise do socialismo é uma crise dupla. Em
primeiro lugar, é uma crise das sociedades que se identificavam e eram
identificadas como socialistas, e isso
que se convencionou chamar de socialismo realmente existente. Parece-me um
problema teórico seguramente importante, e até decisivo, discutir até que ponto
é possível caracterizar essas sociedades, muitas das quais já não existem mais
como formas de socialismo. Certamente se o socialismo implica participação de todos,
democratização profunda das relações sociais e controle social sobre os
processos político-econômicos, dificilmente essa sociedades poderiam ser
consideradas socialistas, e, creio que elas, em grande parte, se
desviavam das exíguas e escassas indicações, digamos assim, que Marx
prudentemente as fez escassas, a respeito do que deveria ser uma sociedade
socialista.
Mas, independente disso, o fato é que essas sociedades
identificavam-se como socialistas, mais particularmente como marxistas, inspiradas
no marxismo, e eram assim identificadas pelo conjunto da reflexão do nosso
tempo. E nessa medida o colapso dessas sociedades certamente coloca um problema
grave para nós socialistas e para nós marxistas. Acho que não é,
digamos, difícil fazer um diagnóstico breve dizendo que a razão principal do colapso
dessas sociedade foi precisamente a falta de democracia. E é, me parece, a
falta de democracia que explica, inclusive, o seu colapso econômico. Ou
seja, o fato de
que, não havendo um controle social da produção, a produção não pôde,
evidentemente, responder a demandas efetivas da sociedade,
criando-se uma economia louca, na qual era possível fazer submarino com casco
de titânio e fabricar um papel higiênico absolutamente inutilizável pela falta
de qualidade. Uma
economia desse tipo revela claramente o fato de você não ter um controle
democrático do que deve ser produzido numa sociedade, e isso deve
ter sido um dos fatores principais do colapso, também econômico, que essas
sociedades sofreram.
Acredito que existam casos em que sociedades inspiradas
nesse modelo ainda persistem, como é o caso de Cuba, é o caso da China, mas
mesmo nessas sociedades, e na china isso é mais evidente, esse modelo revela
uma séria crise. Tenho por Cuba a maior simpatia. Todos reconhecemos em cuba um enorme esforço de resolver problemas, de
incluir os excluídos, como diria D. Mauro Morelli, que me parece são dignos dos
maiores elogios. Mas vejo também em cuba limites sérios do ponto de vista da
construção de uma sociedade efetivamente democrática. Espero,
sinceramente, que os companheiros cubanos empreendam esse movimento e evitem,
assim, que a sociedade cubana passe por crises similares àquelas por que
passaram as sociedades do leste europeu.
De qualquer modo, creio que Cuba não será mais um
paradigma para a construção de uma sociedade socialista no mundo e
particularmente na América Latina. Digamos que este é o primeiro e talvez mais
evidente aspecto do que chamei antes de crise do socialismo, dos projetos
socialista, das sociedades socialista no mundo de hoje. Mas talvez mais grave
para nós, de esquerda, é constatarmos o fato de que não há no mundo moderno projetos
articulados e, digamos assim, exequíveis de socialismo. Existe, para
usar expressão de um socialista inglês, Perry Anderson, uma miséria da estratégia da esquerda mundial.
Se pegarmos os dois troncos da esquerda socialista, do
movimento socialista, surgidos a partir da Primeira Guerra Mundial, digamos,
bolchevique ou comunista e o tronco social-democrata, veremos que em ambos os
casos faltam projetos do que deve ser uma sociedade socialista. Acho que, hoje, todos sabemos mais ou menos
o que ela não deve ser. A experiência histórica mostrou-nos que não deve ser
aquilo que existiu lá, ou pelo menos que não deve ser tudo aquilo que existiu
lá. Mas qual
é a alternativa que hoje a esquerda mundial tem para os projetos neoliberais
que estão efetivamente no mundo moderno desfrutando de uma situação de
hegemonia?
Se pegarmos o lado comunista, essa matriz que surge com
os bolcheviques e se generaliza com o nome de movimento comunista mundial,
veremos que ele há muito fracassou no
Ocidente e as suas propostas de transformação das sociedades ocidentais não
ocorreram. O tipo, o modelo, o paradigma de revolução por eles elaborado,
falsamente visto como válido para todo o mundo na Terceira Internacional,
certamente fracassou no Ocidente.
Progressivamente, os partidos comunistas começaram a
adotar políticas reformistas, na prática, inclusive, não muito dessemelhantes
daqueles que vinham sendo adotados pelo outro tronco do movimento
operário-socialista, a social-democracia. Houve,
nos anos 1970, uma brilhante tentativa, não muito conhecida no Brasil, de
revigorar o socialismo, incorporando-lhe a demanda democrática e criando um
novo projeto de transformação socialista no mundo ocidental, um movimento
que ficou conhecido, falsamente e meu ver, pelo nome de aurocomunismo. E digo
falsamente porque propostas do tipo eurocomunistas ocorreram no partido japonês, no partido mexicano e inclusive no
Partido Comunista Brasileiro. Acho que esta foi, talvez, a última tentativa séria da
esquerda de inspiração comunista, de elaborar uma proposta que transcendia em
muito a matriz originária do leninismo, de pensar condições de exequibilidade
de um socialismo efetivamente democrático no Ocidente.
Ora, mesmo os partidos que adotaram o eurocomunismo
terminaram por abandoná-lo. Abandonaram até a própria formulação, o nome do
partido, como é o caso do Partido comunista Italiano, e de certo modo do
Partido comunista Brasileiro. Mas o fato é que se constata hoje que quem adotou o eurocomunismo abandonou-o, a meu ver
apressadamente, em muitas das suas demandas; e os que não adotaram estão
vez mais condenados ao gueto político. Têm perdido consensos eleitorais
sistematicamente, e têm hoje uma escassa influência em todos os países do
mundo. Diria,
portanto, que esse tronco do movimento operário, tão importante no século XX, é
um tronco em extinção, que não tem nenhuma proposta de socialismo efetiva para
o mundo moderno. Por outro lado, também a social-democracia
atravessa uma profunda crise.
É difícil falar em social-democracia em geral. Ela
conheceu várias etapas: uma coisa é a social-democracia até 1917, até 1914,
mais precisamente até o início da Primeira Guerra Mundial, quando a social-democracia congregava todos os
partidos socialistas da época e todos os partidos de inspiração marxista,
quer dizer, o partido bolchevique até 1917 chamava-se Partido Operário
Social-Democrata Russo. Ou seja, social-democracia
era o conjunto do movimento socialista da época. A partir da ruptura de
1914/1917, temos que rever o quadro da Primeira Guerra Mundial, onde a social-democracia
tenta, ao meu ver com muita inteligência teórica, elaborar uma proposta de
transformação socialista no Ocidente, que incluísse os valores democráticos
através de reformas.
Vários fatores inviabilizaram essa proposta, inclusive o
nazismo, a explosão da Segunda Guerra Mundial; temos uma terceira etapa da
social-democracia, que se inicia em 1945, e que é uma etapa muito fecunda. Graças ao boom econômico ocorrido naquele período, a social-democracia
conseguiu obter ganhos importantes para os trabalhadores e conseguiu,
finalmente, constituir esse conjunto de direitos sociais, e portanto de
cidadania, que formam o chamado estado de bem-estar (welfare state). Só que
esse estado do bem-estar atravessa hoje uma séria crise, uma crise fiscal, de
natureza grave e está, digamos assim, perdendo a possibilidade de se manter nos
países onde foi estabelecido, até mesmo na Inglaterra, onde mais se
desenvolveu, graças à ação do Partido Trabalhista Britânico.
Isto atesta o fato, que a social-democracia não percebeu,
de que o aprofundamento da cidadania política e particularmente da cidadania
social é incompatível com a persistência da lógica do capitalismo. A social-democracia
de hoje fez uma opção clara por reformas, sim, mas por reformas no interior da
ordem capitalista. E por isso a social-democracia, hoje, não tem um
projeto exequível da transformação socialista no mundo moderno. Quero dizer, limita-se, frequentemente, quando está no
poder, a gerir a lógica do capital, como é o caso, por exemplo, dos atuais governos
socialistas na França, e mais intensamente ainda na Espanha, de modo que também
esse tronco do movimento socialista parece-me, hoje, carente de propostas
efetivas para o mundo moderno.
E aqui, parece-me, coloca-se uma questão: será que essa crise que envolve sociedades
e que envolve capacidade projetual do movimento socialista de esquerda no mundo
de hoje é uma crise também do marxismo? Acho que a pergunta é pertinente
por, pelo menos, duas razões: em
primeiro lugar, todos esses estados que agora entram em colapso se diziam, e
eram considerados, inspirados no marxismo. Então, o marxismo tem de vir à
tona no momento em que se discute, em que se constata, mais do que se discute,
o fracasso desse modelo; em segundo lugar, porque o marxismo não
pretende apenas ser uma interpretação do real, mas o marxismo tem o objetivo
explícito, lembremos da 11ª tese de Feuerbach, não só de interpretar o mundo,
mas de transformá-lo. Então, digamos assim, essa miséria da estratégia,
a falta desse projeto estratégico, hoje, sem dúvida, coloca também em questão esse lado do marxismo
que também pretende ser instrumento de transformação do mundo.
Eu diria, sinceramente, que certamente uma leitura do
marxismo que, especificamente, entrou em crise junto com essas sociedades ditas
socialista – acho que entrou em crise definitiva – é o chamado
‘marxismo-leninismo’, entre aspas, porque esse marxismo-leninismo é uma
dogmatização, talvez, do que há de pior em Marx e do que há de pior em Lenin,
mas certamente é um empobrecimento radical tanto do pensamento de Marx, neste
caso sobretudo da riqueza, da variedade, dos ensaios críticos de Marx, mas
também um empobrecimento de uma leitura do marxismo que já, por si, apresenta
problemas – a leitura de Lenin, de Trotski, dos bolcheviques em geral. Lenin
tem inúmeros méritos, é um pensador marxista importante.
Lenin desenvolveu uma reflexão sobre o capitalismo
moderno em seu livro sobre o Imperialismo que, digamos, em sua essência,
permanece válida até hoje, mas seguramente traz inúmeros conceitos que me
parecem historicamente superados. Por exemplo, suas concepções de Estado, de
luta de classe e de revolução são diretamente inspiradas no Manifesto Comunista
de 1848 e, certamente, correspondia à realidade europeia naquele momento. As
reflexões leninistas correspondiam às condições da Rússia czarista de 1917, mas
certamente já não correspondiam às condições europeias de 1917 e não
correspondem às condições do mundo moderno. Que teoria de Estado, por exemplo,
aparece no manifesto de 1848 e é reproduzida por Lenin? É uma concepção restrita do
Estado, como sendo o comitê executivo das classes dominantes, da burguesia, em
particular, e como algo que tem um único recurso de poder que são a coerção e a
violência. Isso está dito no manifesto e repetido, literalmente, em O
Estado e a Revolução, de Lenin.
CONTINUA NA PRÓXIMA
QUARTA...
Obs.: Os negritos
itálicos são os destaques do texto original; os [ ], os negritos
e os negritos
vermelhos são destaques nossos.
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